sábado, 8 de dezembro de 2007

Dioptrias

Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos...(Saint Exupéry)

Fixe, sendo assim já não me preocupo com a minhas dioptrias…
espera…será que se pode inferir da frase que a percepção do acessório ganha com uma adequada e profissional correcção ocular.
Neste sentido, um sujeito com acuidade visual irrepreensível (dom natural ou portador de uns bons óculos) mas, infortunadamente cardíaco, distorce a realidade na medida em que vê o acessório e, por mais que se esforce não vê o essencial. Há nesta situação um risco elevado de, ao tomar-se o primeiro pelo segundo, desenvolver inadvertidamente um comportamento fútil.
Veja-se, em oposição, aqueles que com um coração de leão e, em consequência, uma visão nítida do essencial nunca conheceram o acessório. Também não me parece bem porque achando que tudo é essencial andam por certo numa constante lufa-lufa querendo freneticamente acudir a tudo.
Em suma e quanto mais não seja para fazer a necessária escala, o essencial não vive sem o acessório, abrindo-se ainda a possibilidade de uma inversão de papéis num mesmo indivíduo.
Imagine-se ainda uma criatura que tropeça nesta frase como me aconteceu a mim no site de uma escola secundária, numa rubrica frases para pensar ou coisa parecida. Concretizando ainda mais, é funcionário público e perante a realidade dramática do país em que vivemos anda naturalmente perplexo e angustiado sem saber a que organismo pertence, se vai integrar um novo (quando, como, onde e porquê) ou, se por outro lado, vai engrossar as fileiras dos disponíveis. Pergunta-se a si próprio, atarantado, se a mobilidade especial não será qualquer coisa como lhe dizerem indirectamente que vai não tarda nada para o olho da rua. Para estes casos um confronto directo com esta frase também não augura nada de bom já que pode acrescentar à confusão instalada entre o essencial e o acessório, a aflição adicional relativa ao seu estado de saúde. Uma aproximação posterior ao sistema nacional de saúde afigura-se um remate para o abismo.

A verdade é que por mais que leia esta frase não a consigo entender. Se a primeira parte revela a importância do envolvimento afectivo, necessário para toda e qualquer coisa que se apre(e)nda, a segunda parte parece desvalorizar a reflexão racional, ainda que fosse só sobre o acessório apre(e)ndido.
Resta-me reler O principezinho (já agora sempre me irritaram as ilustrações deste livro, emotivamente falando. Porque razão que se perceba estará o cachecol do miúdo sempre na horizontal naquele que parece ser um ambiente tão livre de ventos…).

domingo, 11 de novembro de 2007

ALBOIO

Esta manhã fui beber uma bica, ao Franklin. Tomei esta decisão porque as cápsulas do Nespresso estão-se a acabar e faz-se sempre render o peixe até á última, aproveitando para dar caras na leitaria Nogueira. Como não ia lá há algum tempo, já me tinha esquecido da facilidade com que se chama bica a coisas tão distintas de café.
A situação não teria nada de mais se não fosse a envolvente, passo a explicar-me. Foi inacreditável a quantidade de moscas que lá se encontravam. Sem exagerar nem um pouquinho, eram para aí umas 20 a rodopiar baixinho, mesmo atrás de mim.
Perguntei ao Frank, enquanto lhe observava a unha comprida de estimação, a que se devia aquele despropósito. Ele, convivendo muito bem com o enxame, avançou a seguinte explicação: o problema é que elas não sobem (!?!). Estranhei a resposta para me aperceber de seguida que o electrocutor de insectos estava ligado, mas consideravelmente acima da nuvem de moscas.
Pude concluir desde logo que o ser mosca tem a sua inteligência, já que a simples observação de uma ou duas irmãs a esticar o pernil (naquele barulho arrepiante tzzz, tzzzz), gera um sinal claro ao grupo que de imediato projecta uma esfera segura para esvoaçar, numa cota inferior.
Lembrei-me ainda do velho mata moscas, de plástico, no mínimo para as enxotar dali para fora e, de aquisição fácil considerando a drogaria do Sr. Joaquim, na porta ao lado.
O Franklin, continuou pacificamente nos seus afazeres, fazendo-me ainda notar que no Verão passado não se tinham registado a presença de moscas. Nisto passou o mano Jaime, também ele atarefado e completamente indiferente ao mosquedo. Atirou um bom dia rápido e refugiou-se no lado oposto do balcão com um misto de alheamento, medo e tristeza.
Olhei em volta. As paredes de azulejo, o chão, o balcão de formica carcomida (com aquela portinhola ridícula que lhes verga o corpo à passagem), as vitrinas quase vazias mostrando aqui e ali uns produtos de mercearia. Qual o critério de escolha para aqueles produtos? Qual o sentido daquelas duas vidas? O que é facto é que todo este no sense sobrevive.
Tudo aquilo, transportou-me directamente para o alboio da quinta da Orada, no Minho.
O certo é que crescemos todos juntos e já me afeiçoei àquele discurso desconcertado e trágico-cómico, ao qual respondo aleatoriamente com sin’s, não’s e pois’s. Para além disso, devo-lhes uma eternidade do crédito de “pôr na conta” e, mesmo que algum dia venha a mudar de casa, hei-de sempre vir visitá-los como quem “vai à terra”. Enquanto bebo uma bica…

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Boa Bro

Hoje o mano Kiki fez a sua primeira exposição para mostrar os “sentidos da madeira”.

Estávamos todos tão grandes que quase não cabíamos na galeria.


Muiiiiiiiiiiitooooooooooooos parabéns.

nota: O Madeirossauro é meu e fica escrito – aki.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Mano a mano

Temos um novo familiar. Para nós nasceu em Outubro de 2007, mas conta já com 3 anos e picos. No dia 7 foi a primeira vez que o vi e só prendo este pormenor ao texto porque é um dos meus dias da sorte.
É uma experiência nova para todos. O engraçado é que me parece que é ele quem a estranha menos, pelo menos é de todos, quem se movimenta com maior simplicidade.
Chama-se Hugo. Tem um rosto bem desenhado, olhos atentos e é um salta-pocinhas. É muito afectuoso e distribui as palavras mãe, pai e mana com muita naturalidade. Mostra um atitude de quem com despretensão se sabe criança e, sem espinhas, é merecedor de afecto. Ponto final parágrafo. Este perfil prenuncia-lhe uma boa vida.
As primas acharam-lhe imensa graça e estão num entusiasmo só. A Rita encontra-se em declarado estado de choque mas o que tem de bom é que não disfarça nada. O que ela irá ganhar com um irmão é muito difícil explicar-lhe de momento. Também para ela vai começar uma nova vida que a fará crescer. A luta por merecer os afectos, na base da concorrência.
Vá lá agora desengomem-se e toca a mostrar o melhor.

A pulso, ficarão a saber que os manos (salvo muito raras excepções) são os seres mais estúpidos e irritantes do mundo a quem se desculpa tudo, mesmo quando são mesmo, os seres mais estúpidos e irritantes do mundo.

Será que a palavra – manos, tem origem em mãos? Assim sendo será que isso quererá dizer dar as mãos. Faz sentido.

Tia da Rita-ritona e do Hugo-sugo.




[A mão de meu irmão desenha um jardim
e ele surge da pedra. Há uma estrela no pátio.
Uma estrela de rosa e de gerânio.
Mas seu perfume não me encanta a mim.
O que respiro é a glória de meu mano.

Carlos Drummond de Andrade]

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

De repente

Consegui finalmente vencer a inércia que vivia pegada ao meu corpo há já tanto tempo. Como foi uma coisa irracional, íe, não resultou de uma reflexão, pelo menos consciente, o que posso partilhar nesse sentido é pouco.

Baixou-me um – basta, e pronto começei a tricotar a camilsola vendo qq coisa de mais ou menos convicente a nascer do outro lado. Ponto míudo, é certo, mas começa finalmente a tomar forma. Penso que metida a primeira, o resto será uma questão de trabalhar a caixa de velocidades com jeitinho, mesmo considerando algum ponto morto, aqui e ali.
Estou tão contente, adoro quando estes “bastas” aparecem do nada.

Prima Glorinha, tenho ido visitá-la amiúde (no siberespaço) e vou-lhe sentindo o dia a dia.
No próximo fim-de-semana vamos a Lagos buscar as miúdas. Em querendo boleia é só dizer. Beeeeeeeeeeiiiiiiiiiiiiijooooooooooooooossssssssssssssssssss

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Arrumações

O tempo encolhe-se todo quando sabe que precisamos dele.
Sabendo eu que preciso de me dedicar, com tempo, ao meu trabalho no milionésimo de segundo seguinte penso logo “nos tempos” que necessito para ler, para estar com as miúdas e assim e assim. E, depois, sou capaz de ocupar o tempo, em nenhuma destas coisas, e andar nas chamadas arrumações. É o que tenho feito nos últimos tempos. Estar para aqui a escrever isto, em vez de me debruçar sobre as vias metabólicas que determinam o prazo de validade do objecto do meu estudo, é o exemplo mais dramático.
Se o dia tivesse mais horas tenho a nítida sensação que me dedicaria arduamente às limpezas.
Preguiça doentia? Não anulando esta hipótese, concluo que a mesma convive bem, porque persiste, com a consciência de si própria e da sua falta de efectividade.
Esta fase (chamada fase de merda) necessita do tempo que resolve. Socorro-me outra vez do saber popular, que no estado em que me encontro é a minha grande referência.
O tempo dilui, o tempo resolve, o tempo foge. Os prazos necessitam de tempo mas nos finais dos mesmos é que o tempo é mais tempo. O tempo está nebuloso e não deixa ver e grita por bom tempo. O tempo está bom quando o céu está limpo. O tempo é sábio porque sabe que mais tarde ou mais cedo explica tudo. O tempo tem as costas largas. O tempo é de todos nós porque todos nós falamos do “nosso tempo” com carinho. O tempo nem sempre é mensurável na unidade de tempo, porque quando não há tempo não significa que não houve uma quantidade razoável de minutos para gastar. Eu sei que há dois tempos, mas o que se traduz em minutos não é temperamental e não é desse que me está a faltar. Claro que o tempo certinho não larga o tempo emotivo e é neste confronto de personalidades antagónicas que as coisas se complicam. Já me esquecia, o tempo é dinheiro.

Para me proteger um bocado não uso relógio.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

LISTA _ VIAGEM DE REGRESSO A ITÁLIA_2006

Data inicialmente prevista: Final de Maio.
Data com uma previsão a 12 horas de viagem: qualquer coisa como Setembro (desvio perfeitamente aceitável)

Conferir:

  • CD’s de música
  • Garrafa de água (litro e meio)
  • Telemóvel (não esquecer de carregar bateria)
  • Encher a mala amarela de ração e levar alguidar azul para comida da Lála
  • Mapa de estradas (não me vá dar um ataque súbito de Alzeimer)
  • Luvas sem dedos (as novas)
  • O saco das “coisas” (roupa em geral e equipamento de futebol em particular).
  • O poema (anexo_1) para ler quando for necessário parar para a Lála comer e dar os saltinhos da ordem.
  • Promessa de voltar DEPRESSA (mesmo que o arquitecto não precise de mim, vá-se lá saber quando precisará e mais sabendo como estes assuntos são demorados!...).
  • Telefonar a dizer que cheguei bem (independentemente da hora da chegada).

ANEXO_1: Poema de C. Drumond de Andrade “O Homem; As viagens”

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
pisa na Lua
planta badeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.

Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vénus.
O homem põe o pé em Vénus
vê o visto – é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Jípiter

proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colónias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?

Não-vê que ele inventa
Roupa insiferável de viver no Sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.

Restam outros sistemas fora do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria de con-viver.

EM TERMOS RELATIVOS E ABSOLUTOS

Ao meu Pipinho, Pipo, Gouveia, ......e, mais recentemente Dude. No meio há toda uma série de nomes (im)próprios, que por serem de uso genérico não importa assinalar.
Não gosta de bola. Verdade, não liga nenhuma. Sim, tem um clube hereditário em verde mas isso também eu em vermelho, pela parte dos Pais. Por isso aos domingos não há aquelas coisas de transístor ou TV, com ocupação integral do sofá durante 90 minutos, somado de comentários pré e pós jogo. Eu bem sei o que o mulherio se queixa e é de vómitos.
Coisas como aspirador e máquinas de lavar não lhe são estranhos. Não digo que os saiba manusear tão bem como eu, mas também é certo que eu não os sei consertar. A bem da verdade até que é ele que se lembra sempre de por sal na máquina da loiça, coisa que se me VARRE sempre. Quanto à esfregona nunca percebi a incapacidade que sempre revelou em espreme-la convenientemente.
Passar a ferro já não se coloca (logo que nos foi possível delegámos alegremente esta tarefa a pessoal especializado), mas, nos primeiros tempos fui eu que abracei esta actividade. Contam-se poucos os lençóis, toalhões de turco (as chamadas peças fáceis) que lhe passaram pelas mãos. E não me digas que não te passei umas poucas de camisas! Embora não tenha fugido a esse clássico, felizmente apostou sempre mais nas T-shirt’s.
Poderei vergar-me aos teus jantares “especiais” mas, deverás reconhecer também, a riqueza no surtido de tartes da minha autoria. Mas, mais importante do que tudo, a introdução de uma dieta equilibrada onde nunca são esquecidos os verdes, cozidos ou salteados (quando há mais tempo). Sopas, até à data, fizeste três! Do meu lado seria difícil contá-las.
Quites? Ganhará em termos relativos já que na generalidade são as “elas” que detêm o uso exclusivo dos preciosos auxiliares domésticos e o comando absoluto da confecção culinária.
Cuidados paternais. Alimentação, higiene / saúde e arrumação dos milhares de merdas, que os baixinhos acarretam com as suas existências. Mal seria se não tivesse contado com a respectiva ajuda. Eu sei que a palavra – ajuda !?!- daria para uma belíssima discussão com o prédio todo a assistir. Diga-se em favor da verdade que a construção do mesmo não prima por uma politica de isolamento sonoro efectiva a que somos alheios os dois.
Ora, fazendo contas por alto temos para o meu lado, nutrição de mil e uma papas de bebé (sem grumulos), colos sem fim, e arrumação de roupinhas (Verão / Inverno) ade náusea, desde 2005 até à presente data. Neste item, inclui-se toda uma gestão de sacalhões de roupas que se herdam de uns e se despacham para outros.
Quem é que estava a par das dosagens dos medicamentos? Nunca, mas nunca sabias o número de gotas de vigantol, cálcio e flúor a dar DIARIAMENTE às miúdas! E os litros de brufen, maxilase e benuron, em doses de 2,5 ml, três vezes ao dia, durante 5 dias. Atenção, na actualidade as quantidades já são bem diferentes. Avançando, e as infinitas birras nos mil fins-de-semana em que ficava sozinha.
No item lazer infantil, aceito, ainda que em sectores distintos, o resto é zero. Do teu lado, actividades de exterior tais como, idas ao Zoo, jardins, parques temáticos, praias e sessões criativas e/ou teatralizadas, com registos em filme. A plasticina Fimo é digna de nota, mas o MECANO não conta porque brincavas mais tu que do que elas. Do meu lado, a dedicação ao campo das leituras com entoação e vozes, segundo uma selecção criteriosa de obras (onde nunca entrou nenhuma Anita!), sem esquecer a poesia, tendo em conta uma fase preliminar de lenga-lengas. Manufactura de todos os disfarces de Carnaval até 2006 e a formação, ainda que com pouco sucesso, em lavores femininos (teares, tricot e costura). Para rematar do meu lado, os miminhos da noite ficaram sempre a meu cargo.
……
........
Em termos relativos faço sempre um brilharete com as minhas amigas. Em termos absolutos a coisa não está mal, mas a luta continua….. A vitória é certa.

AI... OS MIÚDOS SÃO INSUPORTÁVEIS!

Afinal já tinha ido ao laço de ká, sem ter entendido bem onde estava. Estive a ler o texto sobre a tarefa de sermos “paizes”.

Eu também acho que esta tarefa está muito para além das palavras, ou melhor as palavras terão de estar sentadas em coisas de verdade, das infinitas verdades possíveis.
Só não acho é que sejam os “paizes” que tenham que ser os bons exemplos. Podem até ser nalgumas coisas os não exemplos, sem com isso comprometer uma “boa” educação. Sempre existe uma retórica bem fundamentada....

Ás vezes penso, será que um ambiente calmo e silencioso, com abundância de sensatez, no qual qualquer resposta dada após reflexão, é enviada com um sorriso nos lábios, mesmo, quando tenha a responsabilidade de transportar uma advertência mais dura. Representará este cenário um ”caldo de crescimento” ideal?
Os meus vizinhos de cima são uma aproximação ao cenário anterior. Nunca se lhes ouviu um grito, sorriem muito e tudo transpira um ar muito limpinho e muito fashion. Dos poucos sons audíveis, destacam-se os saltos altos da mãe (o pai deve usar solas de borracha), um leve arrastar de móveis e a máquina de lavar loiça que trabalha sempre à mesma hora, de noite, reflectindo uma opção ajuizada pela tarifa bi-horária a favor da economia do lar. Em contraste, os berros desatados da criança que já ultrapassou, à muito, a fase das cólicas e dos dentes, chegam-nos com extraordinária nitidez. Acrescenta-se ainda que o Gugu (o míudo), sempre fez umas birras descomunais à entrada do prédio recusando-se terminantemente e de forma sistemática a retribuir os cumprimentos aos vizinhos (tal como qualquer outra criança).
Coitados dos meus vizinhos de cima, perante um rebento tão “gritão”, será que se sentem culpados? Já os estou a imaginar ao pequeno-almoço, em frente de dois copos de sumo de laranja natural, ½ pão de sementes e duas fatias de bolo de yogourt, a questionarem-se: onde é que falhámos. Não digo que haja um gene “gritão” que desgraçadamente tivesse calhado ao Gugu em grande quantidade, mas que o “pacote bebé” já traz muito mais do que aquilo que é possível alcançar à vista desarmada, estou em querer que sim.
Esta pequena invasão da privacidade alheia, leva-me pelo caminho de aliviar um pouco a Tarefa…. Eu penso que a grande responsabilidade envolvida na mesma tem peso no resultado final, mas muitas vezes esquecemo-nos da individualidade particular que está presa a cada um de nós. Eles também devem ser muito responsáveis por aquilo que vão sendo. E se a coisa falha não são necessariamente os “paizes” os culpados. Por isso para mim, essa coisa de eu sou assim porque em pequeno aconteceu-me assado justifica algumas coisas mas não as grandes coisas.
O conceito, a ser verdade, de que a personalidade se “fixa” até aos 6 anos sempre foi outra realidade que sempre me arrepiou. Quando no liceu li isto no livro de psicologia, pensei logo, está tudo estragado (nunca tive uma autoconfiança de aço) e passei, desde aí, a olhar para os meus pais com alguma desconfiança. Hum…será que fizeram tudo direitinho????. É claro que estou a brincar, mas esta cadeia de culpas irrita-me. Mas, por outro lado, a óptica do Delta t = 6 anos para fixar a estrutura dá mais campo de manobra do que o determinismo da estrutura inicial à nascença. Agora dei um nó mental e nem vou tentar desatá-lo.

Prosseguindo por vias mais fáceis. Não lhe chamaria tanto uma tarefa difícil. Isto porque envolve as energias da paixão, combustível suficientemente poderoso para mover as mil sub-tarefas necessárias, trabalhar e pagar contas.

Tarefa contraditória. Querendo sempre fazer o melhor “do mundo” e, sentindo verdadeiramente na pele as dores do crescimento deles, sabemos que só assim conseguirão sair, necessária e airosamente de nós. Buá, buá, buá... estamos para aqui a construí-los para que se afastem de nós, sabendo de antemão que só irão voltar muito mais tarde. Shuif, shuif, shuif...quem sabe só nos “Natais”,...ugnh!

Infernal. O ritmo avassalador e constante imposto pelas suas existências, em constante transformação tridimensional e não só, obriga a mil e uma adaptações do espaço físico e mental, em que o aparecimento de cabelos brancos não pode ser só uma coincidência.

De tolerância. Uma vez colocados os óculos de “paizes” quaisquer características que seriam intoleráveis noutros passam rapidamente a ser aspectos perfeitamente contornáveis.
E vá de misturar mais um bocadinho, corrigir o tempero, sempre a mexer em lume brando para melhorar. E, depois, “respiramos a glória deles” sejam lá como forem. UUUUUUUUaaaaaaauuuu!

De Reencontro
Á medida que as minhas ditosas foram crescendo, foram-se soltando memórias de infância (medos, frustrações, cheiros, luzes, sabores, mimos). Este efeito tem sido muito útil, porque me ajuda a compreendê-las melhor e a aproximar-me da minha Mãe. Lá iniciei eu o caminho de volta (que por sinal já deveria estar à minha espera). Como não lhe disse nada fiquei ainda a saber que os formandos poderão ser retorcidos até na viagem de regresso.

Inacabada.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Folga na direcção

Nós temos uma prima que tem o dom de alterar o tempo certinho (o dos relógios). A viagem de regresso com direito a loop a Loulé e engarrafamento à chegada passou-se num ai.

Não se esqueça de ver aquilo da folga.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Palavras a menos....


As palavras a menos serão convenientes? Para esta questão existem duas respostas válidas (+ e -). A resposta positiva corresponde às situações em que não vale a pena dizer nada, quer porque não há mesmo nada para dizer, quer porque aquele que nos ouve possivelmente digere as nossas palavras de uma forma tão distinta da nossa que mais vale a pena poupa-las. Fica ainda excluída a hipótese de tentar transmiti-las através dos conhecidos textos gordos. Contudo, haverá situações em que as palavras a menos são geradoras de equívocos porque não existiram em quantidade suficiente para traduzir a ideia global a ser transmitida. Nesta última situação a resposta é claramente negativa e deve-se insistir…
Podemos acrescentar problema inicial – benefício do uso de uma quantidade “certa” de palavras, a variável tempo. Uma certa quantidade de palavras poderá ser ou não proveitosa, de acordo com o momento no tempo em que atinge o receptor (dimensão de oportunidade). Acrescentaríamos à quantidade adequada de palavras (determinada pelo coeficiente de garbo), um factor (multiplicativo???) de oportunidade que articularia ainda com a qualidade / sintonia do receptor. Objectivar a dependência do proveito de N palavras com o tempo, para determinar o sentido da oportunidade é bastante complicado porque teríamos ainda que atender ao factor pachorra (a nossa).
Sabemos à partida que não devemos gastar palavras com estranhos para além de cumprimentos de cortesia e observações sobre o tempo (refiro-me às condições atmosféricas). Mas claro, não é com este tipo de receptores que nos costumamos preocupar.
Na ausência de fórmula matemática para resolver questões de comunicação a decisão final fica emaranhada (como tantas outras coisas) no tempo, e entregue ao método empírico de tentativa e erro. Após a observação sistemática do impacto de vários conjuntos de palavras em receptores conhecidos (da família ou não), e sabendo de antemão que com o avançar do tempo a pachorra vai sendo pouca, resta-nos a eliminação pura e simples, de determinados receptores. Poderemos finalmente quantificar o número de receptores que vamos eliminando como prova de longevidade.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

AQUELA CAMPAINHA IMPIEDOSA

A campainha tinha a forma de pêra e um ar perfeitamente inocente e frágil. O toque perscrutava-nos a alma diariamente. Ritmada, nervosa, aguda e enrouquecida quase a perder a voz quando não era acudida a tempo.
Era a via de comunicação entre nós e o Pai, recolhido por tempos perdidos no quarto. O Pai está no quarto, o Pai não sai do quarto. Cada tipo de toque traduzia um estado de alma. Para nós aquele som era sempre recebido com temor. Agora és tu, eu já lá fui duas vezes. É para ti. Muitas vezes, mal tínhamos saído do quarto e já se ouvia uma réplica.
A limonada com 3 kg de açúcar, o bacon frito e os paparis compreendiam algumas das tarefas mais comuns que se seguiam aos toques da campainha. O bacon frito era dos diabos, cortado às tiras muito fininhas e extra crispy, se não ia para traz. Os paparis lourinhos e se possível baixinhos. Também houve a época das frutas, tangerinas ou laranjas (quem sabe do Loge), devidamente arranjadas. As nêsperas (igualmente designadas por tortesilhas) eram particularmente chatas pelo trabalho empreendido no descasque. Outras modas sucediam-se e embora não envolvessem confecção culinária obrigavam umas idas à leitaria Nogueira. A mania dos chocolates, os holydays e os packs, dos iogurtes naturais (com 7 colheres de açúcar), dos “sumois”, creio que com excepção do de ananás.
Outras empreitadas de natureza variada eram igualmente assinaladas pelo toque da campainha. Os jornais, os pachos de álcool, o leva daqui e põe ali, os remédios, o acender a televisão, antes de existirem os comandos à distância. Tudo e mais tudo. A campainha era tão obsessiva como os pedidos de quem os fazia.
A importância da campainha aumentava na razão directa da imobilidade do Pai. Se era raro que ele se deslocava enquanto ainda podia, por fim isso era um dado adquirido e que diga-se em boa verdade nos descansava bastante.

No período final da vida a campainha alcançou o auge da sua importância na ligação entre o quarto e o resto da casa. Foram muitos maços de tabaco Paris sem filtro que foram dando cabo da capacidade respiratória e que acompanharam uma existência angustiada, nervosa e muito pesada para os outros.
A situação do Pai era uma inevitabilidade que se tinha que aceitar com desespero. Naquele tempo eu não sabia o que era o papel de Pai, e embora soubesse que na generalidade eram sempre uns seres mal dispostos, ausentes e pouco “ajudativos”, tinha a consciência que se cometiam exageros, lá em casa. Por outro lado, o papel de marido assim representado era também um horror e correndo o risco de fazer psicologia caseira não sei se não será por isso que o casamento sempre representou para mim uma ideia repugnante.
Hoje à distância já não penso só nos outros (que éramos nós) mas no que sentiria o Pai, no que seria ele se não lhe tivessem amparado os golpes baixos desse modos de ser homem. Ele era inteligente e tinha um grande sentido de humor, mas um interior doente que dificilmente se deixaria ajudar. Não interessa saber como teria sido se outros se’s se tivessem atravessado mas tinha curiosidade de o conhecer com os olhos que tenho hoje. Agora que a campainha já não me magoa e que sempre assumi friamente que não gostava dele, reconheço que me enganei e sei que lhe devo muitas coisas. Adoro o livro do Alberto Caeiro que ele me ofereceu e autografou e que tem o meu poema favorito “o guardador de rebanhos” / poema nº VIII. Dou-o sempre a mostrar às pessoas de quem gosto e a ver se não me esqueço de o ler às miúdas.









[….
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.]





[11 de Março de 06]

PALAVRAS A MAIS....

Muitas palavras não fazem uma boa frase, livro, ideia ou mesmo uma boa justificação. Mas também podem fazer! O busílis não está na quantidade de palavras, embora, o poder de síntese que age como forma de as poupar, é em si, uma acção desejável, vejam-se os telegramas. Mas também poderá não ser! Veja-se um texto narrativo que surte belo pela descrição pormenorizada e cuja construção não se baseia na poupança de palavras.
A quantidade de palavras qb contidas nos textos, passa então por ajuizar um novo atributo dos mesmos que pondere aquela quantidade em função do objectivo que os norteou. Claro que só ganhamos exactidão se esta apreciação for quantificável(?!?).
O cálculo do número de palavras não levanta qualquer questão existindo mesmo uma funcionalidade disponível no word (barra de ferramentas) para o efeito. Porém haverá que inventar uma grandeza dimensional para imputar aos milhares de objectivos conhecidos, arranjando-lhes uma unidade de medida e um símbolo catita (por ex. obj_t, carecendo das necessárias negociações com o sistema internacional - SI). Para simplificar a tarefa (da infinitude de objectivos) será aconselhável a construção de uma tabela de classes para os mesmos (democrática), atribuindo-lhes um número (natural, inteiro e positivo!).
Eis então que nasce a razão denominada - coeficiente de garbo t (número de palavras pelo número da classe do objectivo). Terá reconhecidas vantagens didácticas sendo mesmo desejável a sua rápida introdução nos manuais escolares.
Quando o resultado for = 8 (porque não? é redondinho) teremos o chamado texto “compensado ou gracioso” de aprovação plena. Se o cálculo devolver um número <> 8, não haverá qualquer hesitação em classifica-lo de “obeso” (atender-se-á às excepções das descrições pormenorizadas e belas) e, aconselhar-se-á, de imediato o autor a proceder a cortes drásticos e a reflectir no uso abusivo das palavras.
(316, sem contar com o título) [24 de Fevereiro de 07]

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Noticias

As unhas de gel continuam a crescer a todo o vapor e sem qualquer hesitação, deixando sobressair uma meia lua rebaixada (por falta de material sintético) que transformou as minhas mãos num género de garras animalescas.

A adaptação do ângulo de impacto necessário na aproximação à matéria e os sons emanados na colisão, são diferentes. Toda e qualquer simples actividade como coçar, teclar no computador, lavar a cabeça ou pegar em qualquer objecto por mais pequeno que seja, é hoje uma experiência desagradável.

Tenho a sensação permanente de ter as unhas sujas o que me faz levar os dedos à boca com muita frequência para passar a língua por debaixo do “material” que avança hirto sobre os meus dedos.

Já as mergulhei em metanol e acetona (de uso laboratorial) e nada, continuam hiperconvexas, hiperquadradas e imperturbáveis a qualquer das minhas angustias.

Penso no corta unhas com muita saudade. É claro que ainda não me cruzei com ele lá em casa. Pois se nunca em situações normais sabemos do seu paradeiro, agora acho perfeitamente natural que ande a fugir de mim.

Não são humanas.