Afinal já tinha ido ao laço de ká, sem ter entendido bem onde estava. Estive a ler o texto sobre a tarefa de sermos “paizes”.
Eu também acho que esta tarefa está muito para além das palavras, ou melhor as palavras terão de estar sentadas em coisas de verdade, das infinitas verdades possíveis.
Só não acho é que sejam os “paizes” que tenham que ser os bons exemplos. Podem até ser nalgumas coisas os não exemplos, sem com isso comprometer uma “boa” educação. Sempre existe uma retórica bem fundamentada....
Ás vezes penso, será que um ambiente calmo e silencioso, com abundância de sensatez, no qual qualquer resposta dada após reflexão, é enviada com um sorriso nos lábios, mesmo, quando tenha a responsabilidade de transportar uma advertência mais dura. Representará este cenário um ”caldo de crescimento” ideal?
Os meus vizinhos de cima são uma aproximação ao cenário anterior. Nunca se lhes ouviu um grito, sorriem muito e tudo transpira um ar muito limpinho e muito fashion. Dos poucos sons audíveis, destacam-se os saltos altos da mãe (o pai deve usar solas de borracha), um leve arrastar de móveis e a máquina de lavar loiça que trabalha sempre à mesma hora, de noite, reflectindo uma opção ajuizada pela tarifa bi-horária a favor da economia do lar. Em contraste, os berros desatados da criança que já ultrapassou, à muito, a fase das cólicas e dos dentes, chegam-nos com extraordinária nitidez. Acrescenta-se ainda que o Gugu (o míudo), sempre fez umas birras descomunais à entrada do prédio recusando-se terminantemente e de forma sistemática a retribuir os cumprimentos aos vizinhos (tal como qualquer outra criança).
Coitados dos meus vizinhos de cima, perante um rebento tão “gritão”, será que se sentem culpados? Já os estou a imaginar ao pequeno-almoço, em frente de dois copos de sumo de laranja natural, ½ pão de sementes e duas fatias de bolo de yogourt, a questionarem-se: onde é que falhámos. Não digo que haja um gene “gritão” que desgraçadamente tivesse calhado ao Gugu em grande quantidade, mas que o “pacote bebé” já traz muito mais do que aquilo que é possível alcançar à vista desarmada, estou em querer que sim.
Esta pequena invasão da privacidade alheia, leva-me pelo caminho de aliviar um pouco a Tarefa…. Eu penso que a grande responsabilidade envolvida na mesma tem peso no resultado final, mas muitas vezes esquecemo-nos da individualidade particular que está presa a cada um de nós. Eles também devem ser muito responsáveis por aquilo que vão sendo. E se a coisa falha não são necessariamente os “paizes” os culpados. Por isso para mim, essa coisa de eu sou assim porque em pequeno aconteceu-me assado justifica algumas coisas mas não as grandes coisas.
O conceito, a ser verdade, de que a personalidade se “fixa” até aos 6 anos sempre foi outra realidade que sempre me arrepiou. Quando no liceu li isto no livro de psicologia, pensei logo, está tudo estragado (nunca tive uma autoconfiança de aço) e passei, desde aí, a olhar para os meus pais com alguma desconfiança. Hum…será que fizeram tudo direitinho????. É claro que estou a brincar, mas esta cadeia de culpas irrita-me. Mas, por outro lado, a óptica do Delta t = 6 anos para fixar a estrutura dá mais campo de manobra do que o determinismo da estrutura inicial à nascença. Agora dei um nó mental e nem vou tentar desatá-lo.
Prosseguindo por vias mais fáceis. Não lhe chamaria tanto uma tarefa difícil. Isto porque envolve as energias da paixão, combustível suficientemente poderoso para mover as mil sub-tarefas necessárias, trabalhar e pagar contas.
Tarefa contraditória. Querendo sempre fazer o melhor “do mundo” e, sentindo verdadeiramente na pele as dores do crescimento deles, sabemos que só assim conseguirão sair, necessária e airosamente de nós. Buá, buá, buá... estamos para aqui a construí-los para que se afastem de nós, sabendo de antemão que só irão voltar muito mais tarde. Shuif, shuif, shuif...quem sabe só nos “Natais”,...ugnh!
Infernal. O ritmo avassalador e constante imposto pelas suas existências, em constante transformação tridimensional e não só, obriga a mil e uma adaptações do espaço físico e mental, em que o aparecimento de cabelos brancos não pode ser só uma coincidência.
De tolerância. Uma vez colocados os óculos de “paizes” quaisquer características que seriam intoleráveis noutros passam rapidamente a ser aspectos perfeitamente contornáveis.
E vá de misturar mais um bocadinho, corrigir o tempero, sempre a mexer em lume brando para melhorar. E, depois, “respiramos a glória deles” sejam lá como forem. UUUUUUUUaaaaaaauuuu!
De Reencontro
Á medida que as minhas ditosas foram crescendo, foram-se soltando memórias de infância (medos, frustrações, cheiros, luzes, sabores, mimos). Este efeito tem sido muito útil, porque me ajuda a compreendê-las melhor e a aproximar-me da minha Mãe. Lá iniciei eu o caminho de volta (que por sinal já deveria estar à minha espera). Como não lhe disse nada fiquei ainda a saber que os formandos poderão ser retorcidos até na viagem de regresso.
Inacabada.
2 comentários:
abremarta desculpa-me a ousadia de comentar este teu posto com este meu post. acho que conversam entre si, embora falando de tempos diferentes. por outro lado baralha as nossas ditosas uma vez que tu, se perceo bem, falas das tuas, respondes a uma minha e o meu post prendia-se à minha outra. chamava-se yi sheng er, que quer dizer 'o um produz o dois' e rezava assim:
"para quem tanto defendeu (e felizmente constatou, ao parir) a inexistência das "dores" de parto, não deixa de ser surpreendente vir a sofrê-las, muitos anos depois. nada parece existir para aliviar a dor provocada por estes partos tardios e intermitentes, para os quais, aparentemente, não existe qualquer preparação prévia realmente eficaz. prolongados no tempo, eles não podem ser induzidos. de natureza emocional, nenhuma epidural lhes adormece o sofrimento. ao contrário dos primeiros, que produzem "objectos", os segundos "produzem" sujeitos. ou, dito de outra maneira, durante os últimos partos da nossa vida, transformamos ilusóros objectos em sujeitos reais. os quais depois teremos, necessariamente, de voltar a transformar em reais objectos interiores, voltando a metê-los dentro de nós. só aparentemente é que se trata de um movimento circular - com efeito, o objecto externalizado (no parto sem dor) não é o mesmo (a não ser no bilhete de identidade) que o sujeito interiozado(no parto com dor). do ponto de vista do que está a ser parido, trata-se de interiorizar (um)a mãe, isto é, de se ir transformando na sua própria mãe. do ponto de vista da parideira, trata-se de externalizar (um)a filha, isto é, de se ir transformando na sua própria filha. é neste sentido que me apetece agradecer o conselho telefonado do mv "não tenhas medo de ter pena de ti própria". capaz de me comover (comecei logo a chorar) e de me esclarecer (começo agora a (d)escrever)."
caraças, só à segunda leitura deste post, e porque nele se fala num qualquer "nó mental" (para desatar ou não, para este caso é irrelevante) descobri que aquilo que eu euforicamente traduzi por "laços", pode (e talvez deva), em certas condições condições, ser traduzido por 'nós'.
além da fieira de generais na meia-praia - história tua que postei no meu blog (agora pensando nisso devia ter escrito lá a origem, vou acrescentar), roubo agora a ideia do 'nó' (de resto cem vezes menos pirosa do que a do laço). muito agradeço as duas ideias
Enviar um comentário